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domingo, 30 de maio de 2010

Cartas, amor e chá.


"Guardo pra te dar
as cartas que eu não mando
Conto por contar
E deixo em algum canto"

Era apenas mais um dia frio de Junho, uma tarde silenciosa no pequeno apartamento do nono andar, Amélia estava sentada um sua poltrona favorita, apenas apreciando sua vista, quando ouviu um barulho no corredor e viu cartas entrarem por baixo de sua porta, levantou-se apenas pra tira-las do chão, sabia que eram apenas contas e anúncios, mas se surpreendeu ao encontrar um pacote pardo grosso, sem remetente. Voltou para sua poltrona e abriu-o, dentro haviam cartas, muitas delas, umas endereçadas à sua antiga casa, quando ainda era solteira e outras pro apartamento que comprou depois que enviuvou. Se assustou quando viu que o remetente destas era Jorge, seu primeiro namorado, aquele que fugira quando o pai dela o mandou pedi-la em casamento; junto das cartas havia um bilhete cor-de-rosa, escrito numa caligrafia feminina, Amélia leu-o primeiro.

"Amélia, sei que não nos conhecemos, mas sei de sua história, meu avô vivia contando-a pra mim. Chamo-me Juliana e sou neta de Jorge, sinto-lhe informar que ele morreu há duas semanas e ele me pediu pra lhe entregar as cartas que ele sempre escreveu pra senhora, mas nunca teve coragem de mandá-las. Desculpe se a importuno, só estou atendendo o último pedido de meu avô."

Ela respirou fundo e abriu a primeira carta, fora escrita um dia depois dele ter fugido, ele se culpava pela covardia que tivera, mas que não podia mais voltar, pois a magoara muito e não acreditava que ela o aceitaria de volta. "que tolo, eu o aceitaria sob qualquer circunstância"; as que se seguiram contava o dia a dia dele, as cartas tinham uma frequencia de mês pra mês, nos meses ruins havia mais de uma. Os anos foram se passando, nas cartas e na mente de Amélia, percebeu que ele esteve presente em sua vida o tempo todo, de longe.
O relógio marcou 21:21, ela abriu a última carta, nessa última ele se despedia.

"Querida Amélia,
                              Essa talvez seja a última carta que eu lhe escreva, pois meus filhos estão pra chegar e me levar pro hospital, sim, hospital. Tenho escondido de você nas últimas cartas, mas estou com câncer. Estava até pouco tempo controlando-o com remédios, mas deve saber como essa doença é, ela sempre encontra um jeito de continuar te envenenando e agora preciso fazer quimioterapia. Porém não se preocupe, não tenho medo...
                              Minto minha querida, eu tenho medo...pois o médico disse que posso perder a memória, e tenho medo disso realmente acontecer e eu te esquecer, esquecer das nossas tardes juntos na praça do seu bairro, dos jantares com a sua família. Fui um idiota por te abandonar, um idiota por escrever cartas que nunca mando, e agora a doença me atinge e o medo me domina. Mas já tomei uma decisão, lhe enviarei essas cartas, assim que sair daquele hospital; melhor, lhe entregarei pessoalmente. E assim, finalmente, poderei te rever e dizer o quanto fui tolo.

                                                                                                           Te amo minha querida, Jorge."

Ela terminou de ler a carta, seu coração martelou uma vez, duro, espremendo duas lágrimas quentes de seus olhos... não podia acreditar que ele a amara durante todos aqueles anos, se sua memória não falhava passara 52 anos desde a fuga dele.
Ambos construiram uma vida, uma família, tiveram seus problemas e suas felicidades, mas nunca se esqueceram um do outro.
Ela imaginou como sua vida poderia ter sido diferente se ele houvesse enviado a primeira carta, não conseguiu, sua cabeça doia por causa do choro conpulsivo. Levantou-se e foi pra cozinha, preparou um chá e voltou pra sua poltrona, olhando pra sua sacada o mundo parecia diferente agora, parecia que anos haviam transcorrido desde a hora que o carteiro passara.

Levantou-se e foi pra sacada, o vento estava forte e frio, mas ela não se importou, tomou um gole de chá e sussurou pra escuridão da cidade, pra lua cheia e pro vento apressado palavras tardias.

"Eu te amo, sempre te amei também."

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Crédito da super foto de Henrique Padovan Lira

3 comentários:

  1. Gente ficou muito bom, e triste porque uma vida estava acabando

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  2. Muito bonito, eu gostaria de receber cartas assim apesar de triste. É o que sempre digo as pessoas deviam esquecer de vez os medos e temores quando se trata de amor, na pior das hipoteses pode dar tudo errado mas ao mesmo tempo é a única chance de ser feliz e sempre com a pessoa amada. Lindo texto.

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  3. Eu não posso ler esse estilo de texto, porque eu começa a chorar compulsivamente, eu sou uma grande manteiga derretida. Está extraordinariamente lindo esse texto *-*

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